quinta-feira, 4 de setembro de 2008

HABITE-SE

Documento que atesta a legalidade do imóvel: A certidão do habite-se é um documento que atesta que o imóvel foi construído seguindo-se as exigências (legislação local) estabelecidas pela prefeitura para a aprovação de projetos.Habite-se é o documento emitido pela prefeitura de cada cidade que atesta a legalidade do imóvel.
Por lei nenhum imóvel pode ser ocupado antes da emissão deste documento.A falta dele pode inviabilizar a venda, doação, inclusão em herança ou aquisição por financiamento.Contudo, este documento não é um certificado de garantia de que a construção foi executada em obediência às boas normas de engenharia e arquitetura, e portanto, não atesta a segurança da obra e muito menos, a qualidade.
Quando um projeto para construção de um imóvel é aprovado pela prefeitura, significa que o mesmo atendeu à legislação local e a construção pode ser iniciada após a liberação do alvará (documento autorizando o início dos serviços).
Quando a construção atinge um nível em que a certidão do habite-se pode ser emitida, o proprietário do imóvel faz a requisição junto ao órgão competente da prefeitura, que providenciará uma vistoria no imóvel para constatar se o que foi construído retrata o projeto aprovado inicialmente. Em geral, os Códigos de Obras, estaduais ou municipais, estabelecem que a construção deve estar coberta e fechada, com paredes já revestidas, além de ter portas e janelas colocadas. Isto é, a casa deve apresentar a mesma forma descrita no memorial entregue à prefeitura, junto com a planta, no momento da inscrição da obra.Outro item obrigatório é estar em dia com o INSS e o Imposto sobre Serviço (ISS). Assim, se essa providência não foi tomada durante a construção, deve-se procurar rapidamente uma agência do INSS para pagar os encargos referentes à mão-de-obra e também a própria prefeitura (em São Paulo, a administração regional de seu bairro) a fim de quitar o ISS.Com as taxas em dia, a planta aprovada e o memorial descritivo da obra, é possível retirar o Habite-se, que deverá ser levado ao Cartório de Registro de Imóveis para que a construção seja lavrada na escritura do terrenoÁgua e luz não significam que a certidão tenha sido emitidaInstalações regulares de água e luz no prédio não significam que ele já tenha o documento.

O imóvel pode ter recebido autorizações das concessionárias e não estar de acordo com as exigências urbanísticas.

Nem mesmo o IPTU é garantia de que o imóvel esteja juridicamente legalizadoPré requisitos para a concessão do Habite-se:

  • Certidão das concessionárias de serviços públicos, é necessário a autorização de todas.
  • Laudo do corpo de bombeiros de sua cidade atestando o cumprimento dos requisitos de segurança.
  • O projeto arquitetônico precisa cumprir a legislação urbanística para o local e respeitar o número de andares e a área total construída, segundo a avaliação de profissional designada pela Secretaria de Urbanismo.

Cobrar que a construtora apresente o Habite-se logo após a conclusão da obra. Havendo problemas, o comprador deve procurar a Secretaria de Urbanismo para saber o que está acontecendo.
Regularizando a situação: Os interessados devem procurar a secretaria de urbanismo de sua cidade para obter maiores informações.Importância do habite-se:v Financiamento: Nenhuma entidade de financiamento imobiliário libera empréstimo sem apresentação do habite-se.v Venda: O imóvel fica desvalorizado se não for regular e os interessados podem desistir do negócio ao saber do problema.v Herança: Imóvel sem habite-se não pode ser herdado, doado, ou participar de qualquer tipo de negociação.v Condomínio: Prédios não podem constituir condomínio legal sem habite-se.v Casas: A falta de habite-se impede sua averbação no Registro Geral de Imóveis, logo a casa não existe judicialmente.v Comercial: Lojas e escritórios sem habite-se só funcionam com alvarás provisórios de 180 dias, renováveis uma única vez.v Seguro: Seguros de condomínios ou residências ficam inviáveis e, caso o serviço seja contratado, a seguradora pode negar-se a pagar as despesas em casos de acidentes ou danos.

Achado não é roubado?

Um quadro do CQC (Custe o que custar, programa da Band exibido nas segundas-feiras às 23:00h), sobre a honestidade do brasileiro acabou gerando um debate jurídico animado entre amigos.
Na matéria, que visava avaliar a honestidade dos brasileiros e que pode ser encontrado no You Tube, os debochados do CQC deixavam um celular na rua e ficavam esperando alguém pegar. Depois, ligavam para a pessoa e pediam o aparelho de volta.Pois bem, uma senhora pegou o celular e, quando o repórter/comediante ligou, ela não atendeu. Depois, eles foram até ela e perguntaram se ela tinha achado o celular, o que ela negou. Mostraram a imagem em que ela pegava o aparelho e, mesmo assim, ela se recusou a devolver. A polícia teve que ser acionada.Vejam abaixo. É impressionante.
"Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado", diz o dito popular.Mas, afinal, qual a análise jurídica que pode ser feita do fato? Para começo de conversa, será verdade que achado não é roubado?Sobre o tema, achei um interessante artigo de Renato Braga Bicalho. Eis o que diz o autor, em vermelho:Muitos de nós já usamos ou ouvimos falar a expressão: achado não é roubado. Mas, essa simples expressão traz, na sua essência, vícios e erros jurídicos, além de tentar justificar um crime, não o de roubo, mas, sim, o de apropriação de coisa achada.Para ilustrar, eis o fato: um belo dia alguém pode achar um objeto de alheio, um livro por exemplo, e pensar que aquele dia foi de sorte, pois adquiriu um objeto que, possivelmente, lhe será útil, de relevado valor econômico e nem precisou pagar nada. Além do mais achado não é roubado.

Certo? Errado.O Código Civil, na norma do art. 1.233 e seguintes, frustra aquele que encontrar coisa de outrem, porque dela não poderá se apropriar, pois estaria contrariando a lei. O referido Código nos informa: aquele que achar coisa alheia deve devolvê-la ao dono ou ao legítimo possuidor.
Na falta desses, a coisa deve ser entregue à autoridade competente.
Eis o dispositivo:
Art. 1.233. Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Parágrafo único. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.Isto não é novidade no direito civil brasileiro, porque o mesmo tema já era tratado no Código Civil de 1916, nos arts. 603 e seguintes.
Sendo assim, achar coisa e não devolver nunca foi aceito como lícito no direito contemporâneo pátrio.E para aqueles que se utilizam do desconhecimento como desculpa é só se reporta ao art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil: Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.Desta forma, achar objeto alheio perdido e não conhecendo o proprietário, deverá entregar a autoridade judiciária ou policial competente. Essa, por sua vez, lavrará o Auto Arrecadação como o objetivo de individualizar a coisa e, após, encaminhará ao juízo competente, que mandará publicar edital para que o dono ou possuidor legítimo a reclame, conforme prevê o Código de Processo Civil, em seu art. 1.170.Mas nem tudo é motivo de tristeza para o "sortudo", que encontrou coisa alheia perdida.Após a divulgação do edital podem ocorrer duas situações distintas: a primeira, e menos provável, o proprietário da coisa aparecer. Nessa hipótese, deverá provar que é o dono da coisa. Levadas as provas até o conhecimento do Juiz, esse ouvirá o Ministério Público e a Fazenda Pública, e, convencido da titularidade mandará entregar a coisa ao descuidado proprietário.Há possibilidade, também, de recompensa àquele que achou a res (coisa) perdida. O valor da indenização não poderá ser inferior a 5% do valor do bem. Poderá este valor ser acrescido pelas perdas e danos causados pela conservação da coisa e, ainda, pelos gastos despendidos pelo descobridor, no esforço realizado para descobrir o real dono do bem encontrado.A segunda opção, e mais provável de acontecer, é o proprietário do objeto, após o prazo decadencial de 60 dias da publicação do edital, não reclamar da ausência do bem. Se ocorrer referida possibilidade, a coisa será avaliada e alienada em hasta pública ("leilão"). Caso aconteça a venda do bem, serão deduzidas as despesas, inclusive com a indenização daquele que achou o bem, e o restante revertido em favor do Município da circunscrição, local em que o objeto perdido foi encontrado. Não havendo a venda do bem em hasta pública aquele que encontrou a res poderá pedir sua adjudicação, ou seja, a propriedade do bem. No âmbito penal, quem encontrar coisa alheia perdida e não a restituir ou não entregar à autoridade competente, no prazo máximo de 15 dias, cometerá o crime tipificado no art. 169, II, do Código Penal Brasileiro, tendo como pena de detenção de 1 mês a 1 ano, ou multa. Para a consumação do crime, pouco importa aquele prazo estipulado, basta aquele que achou a coisa perdida comportar como se proprietário fosse, do objeto.
Eis o dispositivo: Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único - Na mesma pena incorre: I – quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio. II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias.Mas, se a coisa alheia for de relevado valor econômico e não houver a restituição, não se preocupem, pois será difícil ter sua liberdade cerceada em decorrência do crime. Isso devido a Lei 9.099/95, que regulamenta o Juizado Especial Criminal. Por essa Lei, aquele que comete ilícito penal de menor potencial ofensivo, como o crime em análise, e se compromete a comparecer no Juizado Especial no dia e hora pré-fixados não poderá ser preso em flagrante e, muito menos, se exigir fiança, conforme prevê a norma do art. 69, parágrafo único. Além do mais, por tratar-se de ação penal pública incondicionada e, em obediência ao artigo 76 da Lei do Juizado Especial, o "autor do fato" poderá fazer acordo com o Estado, através do Ministério Público, o qual poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa. Ou seja, prestação de serviços à comunidade ou o pagamento de alimentos não perecíveis a alguma instituição de caridade.Com isso, ao encontrar coisa de relevante valor econômico, que não seja de sua propriedade, e não tendo notícia do verdadeiro dono, o mais prudente é levar o objeto à autoridade competente. A uma delegacia, por exemplo, para que sejam tomadas as devidas providências. Caso contrário, cometerá crime previsto no Código Penal Brasileiro.Sendo assim, a popular frase "achado não é roubado", ficaria corretamente se dita "achado, não encontrado o dono da coisa pelas vias legais, e adjudicado não é furtado", pois se é achado, entenda-se que não houve grave ameaça à pessoa, por isso, não se pode referir a roubo.Vale lembrar, no entanto, que a situação de se apropriar de coisa achada é bem diferente da mostrada na reportagem. Quando o repórter/comediante se identificou e afirmou que a coisa era dele, a coisa mudou inteiramente de figura.Neste caso, ocorreu furto. Este é o entendimento de Mirabete, demonstrado ao comentar o art. 169. Em vermelho, as palavras do autor (Código Penal Interpretado, 1999, p. 1087):O objeto material do crime é a coisa alheia perdida, ou seja, aquela cujo lugar onde se acha é ignorado pelo possuidor. Não se confunde com a coisa esquecida em algum lugar para onde o possuidor retorna, logo após, para apanhá-la. Há, no caso, furto, e não apropriação de coisa achada.

Eis algumas interessantes decisões sobre o tema:

Se a vítima apenas esqueceu, e não perdeu sua bolsa no local dos fatos, tanto que para lá retornou, logo após, para apanhá-la, não mais a encontrando, por haver o réu dela se apossado, o delito configurado é o de furto, e não o de apropriação de coisa achada (TJSP. RT 545/317). Comete o delito de furto, e não o de apropriação de coisa achada, o agente que se apodera da carteira que encontra em balcão de bar, tendo a possibilidade de entregá-la ao proprietário (TACRSP. RJDTACRM 25/171).

Assim, parece claro que o fato não se resume a um mero deslize ético. Tomar para si o que não é seu é fato ilícito. É crime.Mas não vá tão longe. Na próxima vez que achar algo que não é seu, coloque-se na posição de quem perdeu. Imagine que aquela coisa é sua. E faça o que você gostaria que outrem fizesse se achasse sua propriedade.

No final, tudo se resume à chamada regra de ouro:Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Esta é a lei dos profetas (Mateus 7:12).

Estudo Jurídico: peidar poooode!

PENA DISCIPLINAR. FLATULÊNCIA NO LOCAL DE TRABALHO.
Por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor).
Na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu. Daí porque, a atenção dispensada à inusitada advertência que precedeu a dispensa da reclamante. Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal. Abusiva a presunção patronal de que tal ocorrência configura conduta social a ser reprimida, por atentatória à disciplina contratual e aos bons costumes. Agride a razoabilidade a pretensão de submeter o organismo humano ao jus variandi, punindo indiscretas manifestações da flora intestinal sobre as quais empregado e empregador não têm pleno domínio. Estrepitosos ou sutis, os flatos nem sempre são indulgentes com as nossas pobres convenções sociais. Disparos históricos têm esfumaçado as mais ilustres biografias. Verdade ou engenho literário, em "O Xangô de Baker Street" Jô Soares relata comprometedora ventosidade de D. Pedro II, prontamente assumida por Rodrigo Modesto Tavares, que por seu heroísmo veio a ser regalado pelo monarca com o pomposo título de Visconde de Ibituaçu(vento grande em tupi-guarani). Apesar de as regras de boas maneiras e elevado convívio social pedirem um maior controle desses fogos interiores, sua propulsão só pode ser debitada aos responsáveis quando deliberadamente provocada. A imposição dolosa, aos circunstantes, dos ardores da flora intestinal, pode configurar, no limite, incontinência de conduta, passível de punição pelo empregador. Já a eliminação involutária, conquanto possa gerar constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, não há de ter reflexo para a vida contratual. Desse modo, não se tem como presumir má-fé por parte da empregada, quanto ao ocorrido, restando insubsistente, por injusta e abusiva, a advertência pespegada, e bem assim, a justa causa que lhe sobreveio. AC 20071112060 - PROC 01290200524202009 RO - 2ª REGIÃO - Ricardo Artur Costa e Trigueiros - Relator. DJ/SP de 18/01/2008 - (DT – Abril/2008 – vol. 165, p. 189).

Artigo publicado no site da ANADEP

O Rio Grande do Norte, sua Defensoria e uma certa Maria - Um exemplo de como as coisas não devem ser - Artigo de Manuel Sabino Pontes
Segundo disse Paulo Maycon, em recente artigo publicado no Jornal Tribuna do Norte, o “maior exemplo de insuficiência da Defensoria Pública no país está no Rio Grande do Norte”.
Para o autor, das “defensorias estaduais em funcionamento, [a do Rio Grande do Norte] tem o menor efetivo de defensores, o menor orçamento, a pior estrutura e a menor remuneração” (Os porquês da Defensoria Pública, 24/07/2008).A situação é caótica.
Apesar de o Estado ter criado o cargo de defensor público em 1985, a carreira em 2001 e o órgão em 2003 – até aqui a estruturação da Defensoria Pública estadual ainda engatinha.Enquanto o Ministério Público e a Magistratura contam, cada órgão, com mais de duas centenas de cargos criados, a defensoria pública possui apenas 40 cargos em sua carreira. Pior: apenas dois defensores concursados para atender um público estimado de 2,7 milhões de carentes.Apesar dos 38 cargos vagos, o Rio Grande do Norte reluta em dar posse aos candidatos aprovados no longo e penoso concurso público realizado entre iniciado em 2006 e homologado em 2008.
Apenas para comparar, a Paraíba, Estado vizinho e com economia parecida, apesar de contar também com cerca de duas centenas de promotores e juízes, conta não com 2, mas com 342 defensores na ativa – e lá se pretende abrir concurso em breve!
O orçamento da Defensoria Pública Estadual é 31 vezes menor que o do Ministério Público e o 102 vezes menor que o do Judiciário.O subsídio do defensor, que também fica impedido de advogar, é 20% do pago aos magistrados e promotores.Se a Defensoria Pública é o primo pobre da Justiça no Brasil, conforme afirmação feita pelo Jornal Nacional em matéria veiculada em 18 de julho último, a Defensoria Pública do Rio Grande do Norte é o seu primo mais pobre.Com este cenário de fundo, a história de uma moça comoveu o Estado nos últimos dias.
Haja vista tudo o que ela passou, tencionando minimizar sua exposição, nossa personagem será chamada de Maria.Maria é uma moradora de rua que, em janeiro último foi acusada de furtar R$ 10,00. Ela devolveu o dinheiro, confessou o erro e pediu desculpas. Disse que estava com fome. De nada adiantou: alguém já havia chamado a polícia.Dado o flagrante, Maria acabou denunciada por furto qualificado por abuso de confiança – apesar de inexistir nenhuma relação deste tipo entre ela e a vítima. O Ministério Público opinou e a juíza resolveu manter a prisão de Maria. A denúncia foi recebida e o interrogatório marcado.A lei garante assistência jurídica gratuita a Maria e, dentre outras coisas, manda que sua prisão seja comunicada à Defensoria.Em razão da péssima estrutura da Defensoria Pública do RN e da falta de pessoal para ler os processos de cada preso (diferentemente do Judiciário e do Ministério Público do mesmo Estado), a defesa destes é feita através de um formulário padrão, igual para todos os casos. Assim, o órgão sabia que Maria tinha sido presa por furto, fato que constava em sua nota de culpa – mas não sabia, por exemplo, que o valor do furo havia sido apenas e míseros R$ 10,00.Enfadados daquela peça repetitiva, a juíza e a promotora nem devem tê-la lido, pois que sumariamente a ignoraram – o pedido não mereceu sequer um despacho.Sem ler processo, advogado não advoga. Sem pessoal, a defensoria não defende.
Sem seus direitos, Maria não tem cidadania.Maria tinha o direito a ter sua família avisada de sua prisão – mas não tinha a quem avisar. Maria tinha o direito a dar um telefonema – mas ela não tinha para quem ligar. Maria tinha o direito a um advogado – mas nunca tinha recebido a visita de um que se interessasse pelo seu caso.Na verdade, ninguém conhecia o seu caso, ninguém sabia quem era Maria – até que seu caso foi parar na televisão.
Quando a reportagem descobriu Maria, já haviam se passado longos seis meses. Se antes Maria não tinha recebido uma única visita, ela agora aparecia todos os dias na TV e no Jornal. Pessoas se interessaram por sua vida, seu caso era debatido em todos os cantos. O Rio Grande do Norte descobriu Maria.Informados do caso na última sexta-feira, dois candidatos aprovados no último concurso de defensor – Manuel Sabino Pontes e José Alberto Calazans – concederam uma entrevista e foram conhecer Maria ao vivo e em cores.Conheceram mais que isso. Conheceram uma realidade à qual seriam apresentados apenas mais tarde, quando o Estado finalmente resolvesse lhes dar posse: o falido sistema carcerário do Rio Grande do Norte.Maria estava hospedada em um quartinho de cerca de 9 metros quadrados.
Mas ela não estava sozinha: dividia a cela com mais 16 presas. Na cela vizinha, também com 17 presas, estavam uma grávida de 7 meses, uma lactante e uma doente mental.
As celas são abertas e viradas para rua, recebendo a totalidade da brisa noturna. Com certeza, um inverno inesquecível para as 34 presas!Algumas dormem no chão, outras em redes improvisadas – algumas sortudas possuem colchão.
A lotação é tão grande que o esgoto não aguenta.
Os policias chegam a chamar a desentupidora duas vezes por semana – R$ 940,00 por visita.
Cada detenta custa entre R$ 30,00 e R$ 40,00 por dia aos cofres públicos. E Maria presa por míseros R$ 10,00!Maria e as demais estão alojadas na 2ª Delegacia Distrital de Parnamirim/RN, apesar de haver sentença mandando retirar todos os presos do Estado das Delegacias.Os policiais se comovem com a situação, acham tudo absurdo, mas nada podem fazer. Onde está o Estado para construir presídios e contratar defensores? Será que dignidade da pessoa humana saiu de moda? Ou será que simplesmente não dá voto?Os futuros defensores, comovidos, resolveram antecipar sua prática. Foram ao fórum, conheceram o processo, tiraram cópias dos autos e impetraram um Habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça.Na petição, os advogados fazem uma pergunta que ecoa sem resposta: “O que dizer de uma sociedade onde uma moradora de rua acusada de furtar R$ 10,00 (dez reais) é mantida presa por seis meses pelo mesmo Judiciário que, em questão de dias, solta duas vezes um banqueiro acusado de se locupletar de milhões de reais?”
A tese do princípio da insignificância foi central, mas os futuros defensores também perceberam o excesso de prazo, chamaram atenção para a inadequação da qualificadora e lembraram que, mesmo que houvesse a condenação, a pena teria que ser substituída. Haja argumento para soltar Maria!Na segunda-feira cedo o petitório foi distribuído. E – que surpresa – encontraram outro advogado que tinha feito outro Habeas Corpus para Maria.
Maria agora tem advogado para dar e vender!Os futuros defensores foram no Tribunal e fizeram o que qualquer advogado de bacana faz: pediram urgência no julgamento.
O Desembargador, comovido com a situação, mandou dar prioridade ao caso de Maria.No final da tarde daquela mesma segunda-feira o Desembargador mandou soltar Maria. Como já era tarde, Maria dormiria mais uma noite presa. Mas seria sua última!Por fazerem o que qualquer um faria, os futuros defensores ficaram famosos, deram entrevista gravada e ao vivo, na TV e no Jornal. Eles resolveram usar seus 15 minutos de fama para pedir a valorização da defensoria, dignidade para os detentos e atenção para as centenas de Marias que estão esquecidas pelo Estado. Os futuros defensores querem tomar posse e conferir assistência judiciária gratuita para os necessitados, conforme determina a Constituição Federal. Querem trazer o futuro ao presente, virar apenas defensores e ajudarem a quem precisa. Afinal, pobre também é gente. Ou não?Mas a história ainda não acabou. Amanhã Maria vai ser solta. Vai ter TV e jornal de novo. Mas os futuros defensores não podiam deixar Maria dormir sem a notícia. E lá foram eles de novo para a delegacia!Foi a maior felicidade! As presas fizeram festa, cantaram, louvaram e choraram – choraram muito. Os futuros defensores também choraram. Até a polícia chorou!Mas amanhã é só alegria! Maria vai sair da prisão onde não teria ficado um único dia se existisse defensoria. E Maria não vai dormir ao relento, não – já tem onde ficar. Deus abençoe e cuide de Maria! Deus dê ao povo uma efetiva Defensoria!
Fonte: ANADEP.

Folclore Jurídico: Moscas prejudicam vida sexual?

A Suprema Corte do Canadá se viu diante de um caso importantíssimo na última quinta-feira (22/08/2001). O tribunal decidiu o caso de um morador de Ontário que jura que sua vida sexual acabou depois de ter achado duas moscas mortas em uma garrafa de água mineral fechada.
O incidente aconteceu em 2001 (o que prova que não é apenas a Justiça brasileira que é lenta).Waddah Mustapha, um imigrante libanês de 46 anos com mania de limpeza, processou a empresa que engarrafou a água, alegando ter sofrido danos psicológicos (como depressão, fobia e ansiedade), além de terríveis danos à sua vida sexual.Na época, ele tinha duas filhas, uma de 7 e uma de 3 anos, e sua mulher estava grávida de 7 meses. Mustapha imigrou para o Canadá em 1976, onde trabalha como cabeleireiro.Ninguém chegou a beber a água da discórdia, mas como eles consumiam essa mesma água (da marca Culligan) tanto em casa como no salão, ele ficou obcecado com a possibilidade de sua família ter consumido água contaminada no passado.
O cabeleireiro pediu US$ 343 mil (cerca de R$ 570 mil) e teve ganho de causa em instâncias inferiores. Mas a Suprema Corte concluiu, por unanimidade, que ele não provou nada do que diz.
"O sr. Mustapha deveria mostrar que uma pessoa de resistência normal sofreria sérias conseqüências ao ver moscas em uma garrafa de água prestes a ser ingerida. Ele não fez isso", declarou a corte.Mustapha afirma que vomitou depois de ver os insetos e que passou a ser atormentado por visões de moscas andando sobre fezes.

Agora, além de não ganhar aquela bolada, ele terá que pagar os honorários do caso.