sábado, 15 de novembro de 2008

Diferenciação lingüística - baianos e paraíbas

Diferenciação lingüística - baianos e paraíbas


A discriminação do nordestino no sudeste e sul brasileiros tem razão histórica, uma vez que, a partir de meados do séc. XIX, a imigração galega e dos nortistas portugueses para o Brasil intensificou-se, a ponto de provocar emulação nos alfacinhas1 que aqui já estavam radicados.
Assim, o termo “galego”, aplicado tanto ao imigrante da região da Galícia (Espanha) quanto àquele procedente do norte de Portugal, muitas vezes assumia o significado pejorativo de “estrangeiro” em terras brasileiras.
Como os galegos que vinham para o Brasil trabalhavam normalmente em ofícios humildes, o vocábulo “galego” adquiriu conotação negativa, principalmente pela língua falada que, apesar de bem mais próxima que o espanhol, tinha evidentes diferenças conotativas e denotativas: “atopei-me con ela” (em português, “encontrei-me com ela”)
O galego era, então, visto pelo alfacinha com reserva, e esse sentimento foi-se passando de geração a geração. Fato é que, mesmo no nordeste, é comum ouvir-se, ainda hoje, a expressão politicamente incorreta “aquele galego safado”.
Colonizado, a partir de certa época, pelos galegos e portugueses do norte, tem-se como normal que a língua falada no norte do Brasil sofresse essa influência, principalmente a partir do norte baiano, região em que se encontram muitas expressões tipicamente galegas. “Vixe”2, por exemplo, é corruptela do galego “Virxe María!”,com o sentido em português de “Virgem Maria!”.
O nordestino não deve envergonhar-se de suas raízes étnicas e lingüísticas e da conseqüente diferenciação semântica3, pois, apesar de o idioma falado ser o português, este vem carregado de forte influência galega.
Na primeira vez que estive na cidade do Porto, no norte português, em 1974, constatei que as pessoas tinham o mesmo costume da região nordestina, ou seja, de continuar a conversação aos berros, afastando-se um do outro. Nunca me senti tão em casa, e nunca vi tanto uma realidade transferida.
Por uma dessas perversidades do destino, acontece de haver influência negativa, traição cometida, às vezes, por ouvido não atento. Hoje, sabe-se que a aquisição da leitura e da escrita acha-se atualmente afeta à análise da Psicolingüística4, ciência que estuda o desenvolvimento da linguagem do indivíduo de acordo com seu meio social, e que se preocupa com as distinções entre suas modalidades, justificando o sucesso e o insucesso da aprendizagem da língua materna.
Afinal, ensinar a criança a ler e escrever na escola não deve ser somente ensinar palavras e corrigir erros gramaticais, mas descobrir porque existem dialetos culturais, tradições, modos de pensar e agir diferentes que as pessoas se apropriam para se entenderem e interagirem verbalmente com alguém.
Um dos principais erros é na afirmação da hora: “Chego de quatro”, quando se quer dizer “Chego às quatro (horas)”. É muito importante, nesse caso, o uso da preposição correta.
Outro diz respeito ao uso incorreto da “pois”, que é falada “e apois” (palavra inexistente no nosso idioma). Corruptela da expressão galega “e pois”, já que no sul português a expressão corrente é “e então”.
Mais outra: “visse?”, tradução galega de “ouviche?”, na acepção de “ouviste?”
E para completar, não é bom português reduzir as vogais “e” e “o” no meio das palavras: “botar” (fala-se, butar) e “Recife” (fala-se, ricife). Essa história5 de reduzir vogal é privativa do idioma português, não acontecendo em nenhum outro idioma. Em espanhol, “siempre” é pronunciado “si-em-pre” ao passo que em português, “sempre” é pronunciado “sem-pri”. Essa redução final é aceita, mas não na posição medial.

Getúlio Medeiros



1 alfacinha é termo depreciativo para o lisboeta (nascido em Lisboa);
2 Às vezes ouve-se, também, a forma reduzida:"ixe"
3 Diferenciação lingüística não acontece apenas no Brasil. Nos Estados Unidos, em Louisiana, o inglês fortemente marcado pela presença francesa, o que se nota na famosa canção “Jambalaya”: “he gottta go pole th’pirogue down the bayou”.
4 Psicolingüística é estudo das conexões entre a linguagem e a mente que começou a se destacar como uma disciplina autônoma nos anos 1950.
5 Recomenda-sea grafia história, tanto no sentido de ciência histórica, caso em que o termo deve ser escrito com letra inicial maiúscula, quanto no de narrativa de ficção, conto popular e demais acepções. O termo “estória”, portanto, é barbarismo e deve ser evitado.

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